No acórdão do TSE, por maioria (4 a 3), o Ministro Arnaldo Versiani (Jurista) - relator- , a Ministra Carmen Lúcia (STF) - Vice-Presidente do TSE -, o Ministro Hamilton Carvalhido (STJ) e o Ministro Enrique Lewandosvski (STF) - Presidente do TSE - votaram no sentido de que a figura de "filho de criação" - adoção de fato - gera a inelegibilidade reflexa prevista no artigo 14, §7º, da Constituição Federal. Divergiram dessa tese os Ministros Marco Aurélio (STF), Aldir Passarinho (STJ) - Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral - e Marcelo Ribeiro (Jurista), que entendiam que apenas a adoção disciplinada no código civil geraria a inelegibilidade reflexa. Essa decisão é de extrema importância, pois modificou o entendimento da corte datado de 1997 de que a adoção de fato não geraria inelegibilidade reflexa. Merece destaque também a posição minoritária do Ministro Marco Aurélio contrária do permissivo do Código Eleitoral (art. 30, inciso VIII, - competência privativa dos tribunais regionais para responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político), sustentando que os Tribunais Regionais Eleitorais não seriam competentes para responder consultas sobre a interpretação da legislação eleitoral.
O acórdão do TSE contêm grifos do blog para facilitar a leitura dos trechos mais importantes.
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 54101-03/PI
Relator: Ministro Arnaldo Versiani
Recurso contra expedição de diploma. Adoção de fato. Inelegibilidade.
1. Para afastar a conclusão do TRE/PI, de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação de antecessor ex-prefeito, seria necessário o revolvimento do acervo probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.
2. O vínculo de relações socioafetivas, em razão de sua influência na realidade social, gera direitos e deveres inerentes ao parentesco, inclusive para fins da inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal.
3. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser arguida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há falar em preclusão.
Recurso não provido.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em negar provimento ao recurso, nos termos das notas de julgamento.
Brasília, 15 de fevereiro de 2011.
MINISTRO ARNALDO VERSIANI - RELATOR
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor Presidente, Antônio Milton de Abreu Passos e Joana de Sousa Bacelar, segundos colocados no pleito de 2008, interpuseram recurso contra expedição de diploma contra o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Pau D’Arco do Piauí/PI.
O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, por unanimidade, rejeitou matéria preliminar e, no mérito, deu provimento ao recurso contra expedição de diploma, para desconstituir os diplomas dos eleitos, com a proclamação de eleição dos segundos colocados.
Eis a ementa do acórdão regional (fl. 713):
Recurso Contra Expedição de Diploma. Relação socioafetiva comprovada. Filho de criação. Incidência do art. 14, § 7º, CF/88. Inelegibilidade constitucional comprovada.
Abuso do poder econômico e político não provado.
Comprovada a relação socioafetiva de filho de criação do prefeito eleito em relação a seu antecessor, impõe-se a aplicação da inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da Constituição Federal c/c art. 262, inciso I, do Código Eleitoral, com a desconstituição dos mandatos do prefeito e do vice-prefeito.
Recurso provido.
Seguiu-se, concomitantemente, a oposição de embargos de declaração (fls. 731-740) e a interposição de recurso especial (fls. 820-842) por Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro.
A Corte de origem, à unanimidade, negou provimento aos declaratórios (fls. 967-975).
Foi apresentada ratificação do apelo à fl. 986.
Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro sustentam nas razões de seu apelo violação aos arts. 1º, caput, e 14, § 7º, da Constituição Federal, ao art. 1º, § 3º, da Lei Complementar nº 64/90 e ao art. 1.628 do Código Civil.
Apontam que a Corte de origem considerou inelegível o candidato eleito ao cargo de prefeito, Fábio Soares Cesário, pelo fato de ser filho de criação do ex-prefeito daquele município.
Argumentam que não existe a figura da adoção de fato e ressaltam que o art. 1.628 do Código Civil apenas reconhece a adoção após o trânsito em julgado da sentença que deferiu o pedido. Asseveram que não existe, “na legislação pátria, qualquer referência a inclusão da ‘adoção de fato’ como causa de inelegibilidade” (fl. 829).
Alegam que o entendimento desta Corte é de que as hipóteses de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, não podendo apanhar situações jurídicas nelas não contidas. Citam precedentes.
Assinalam que o prefeito eleito tem pais biológicos e foi registrado por estes.
Arguem que não há similitude entre o presente caso e a inelegibilidade decorrente do parentesco por afinidade.
Aduzem violação ao princípio da segurança jurídica, ao argumento de que os candidatos eleitos, além de não terem sofrido impugnação no momento da apresentação de seus registros de candidatura, foram surpreendidos após o processo eleitoral com novo posicionamento da Corte de origem.
Asseveram que, antes dos seus pedidos de registros, estavam amparados por precedentes desta Corte e do TRE/MA, e por decisão proferida pelo TRE/PI, no julgamento da Consulta nº 88/2007, que afastou a inelegibilidade na hipótese da denominada adoção de fato.
Neguei seguimento ao recurso especial por decisão de fls. 1.039-1.046
À vista, porém, das razões deduzidas no agravo regimental de fls. 1.050-1.065, reconsiderei a decisão de fls. 1.039.1.046, a fim de submeter o recurso diretamente ao exame do Tribunal (fls. 1.068-1.069).
VOTO
O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI (relator): Senhor Presidente, consta do relatório do acórdão regional a alegação de que “o candidato eleito a prefeito é manifestamente inelegível para o referido cargo, tendo em vista ser filho adotivo do prefeito a quem sucede, o qual já havia disputado uma reeleição, revestindo-se na inelegibilidade reflexa dos filhos e parentes até o segundo grau” (fl. 714, verso).
Sustentou-se, ainda, na inicial do recurso contra a expedição de diploma, não haver “registro formal de adoção, mas o acervo probatório revela que o candidato eleito, ora recorrido, sempre foi tratado publicamente como filho, inclusive constando sua fotografia em calendários referentes aos anos de 2004 e 2007 distribuídos no aludido município com felicitações à população nos anos imediatamente anteriores, constando a seguinte frase: ‘o prefeito de Pau D’Arco do Piauí e seus filhos desejam à população um feliz natal’” (fl. 714, verso).
O acórdão regional entendeu haver “provas suficientes para se chegar à conclusão da existência de uma paternidade sócio/afetiva envolvendo o candidato eleito de Pau D’Arco do Piauí, o Sr. Júnior Sindô (Fábio Soares Cesário) e o ex-prefeito Expedito Sindô” (fl. 720).
Consignou-se que as testemunhas afirmaram “essa concretude de relação de pai e filho entre o prefeito e o ex-prefeito, filho de criação” (fl. 720), entendendo comprovado que Júnior Sindô, embora não seja adotado legalmente, é reconhecido, na cidade de Pau D’Arco do Piauí/PI, como filho do ex-prefeito, Expedito Sindô.
Destacou-se, ainda, vir essa convicção das seguintes provas: “os cartazes; o pai e os filhos nas fotografias; a fala das testemunhas, que, evidentemente, não se estendem em laudas, mas apontam: ‘foi criado’, ‘viveu com ele’; o nome, Júnior Sindô” (fl. 722).
Desse modo, concluiu-se estar “satisfatoriamente provada essa relação jurídica de pai e filho adotivo, adoção de fato, posse de estado de filiação, entre Júnior Sindô e o ex-prefeito Expedito Sindô” (fl. 722).
Entendeu, portanto, o acórdão regional incidir na espécie a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.
Para afastar a conclusão do TRE/PI de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação do antecessor ex-prefeito, a configurar a referida inelegibilidade, seria necessário o revolvimento do acervo probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do egrégio Supremo Tribunal Federal.
Os recorrentes invocam o decidido no Recurso Especial nº 13.068, relator Ministro Ilmar Galvão, de 11.3.1997, de cuja ementa consta que a “adoção meramente de fato não enseja a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal” (fl. 1062).
Anoto que o fundamento desse precedente foi o de que os “afilhados ou filhos de criação não se submetem juridicamente ao conceito de parentesco por adoção e tampouco geram os mesmos efeitos jurídicos, não havendo como se estabelecer a equiparação” (grifo nosso).
Já no caso dos autos, cabe destacar do acórdão regional estas assertivas (fl. 720, verso e 721):
A posse do estado de filiação, referido em passagem aí no parecer ministerial, é uma realidade, e o Direito não pode fechar os olhos.
(...)
Essa posse de estado de filiação, ao correr dos anos, torna-se irreversível, até porque essa condição de pai e filho – paterno – filial – recebe todas as atenções a partir da nossa Constituição Federal, que trata a família com todo zelo, a família, seus integrantes, com todo zelo, seja a família composta de pai, mãe e filhos, ou a família sem, necessariamente, essa condição de pai, mas uma célula familiar, vamos dizer, de irmãos, de parentes, recebe todas as atenções da Constituição Federal e do nosso hoje atual Direito Positivo, nosso ordenamento jurídico.
Realmente, a relação socioafetiva independe de fatores biológicos ou exigências legais, devendo levar-se em consideração o afeto e a convivência daqueles que assim se mostram para a sociedade, fatos que não podem ser desconhecidos do Direito.
A jurisprudência vem reconhecendo o vínculo de afetividade dessas relações, em razão da sua influência na realidade social, a fim de reconhecer direitos.
Ressalto, a propósito, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.
(...)
- O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil.
- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica.
Recurso conhecido e provido.
(Recurso Especial nº 878.941, rela Mina Nancy Andrighi, de 21.8.2007).
Ao se admitirem os direitos oriundos da filiação socioafetiva, reconhecem-se também todos os deveres inerentes ao parentesco, inclusive para as hipóteses de inelegibilidade.
Quanto à alegação de violação ao princípio da segurança jurídica, a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional suscitada em sede de recurso contra expedição de diploma, não há falar em preclusão, sob o argumento de que não houve impugnação ao registro de candidatura.
Nessa linha:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso contra a expedição de diploma. Vereador. Cônjuge. Prefeito. Ausência. Desincompatibilização. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Preclusão. Não-ocorrência. Litisconsórcio passivo necessário. Partido político. Inexistência.
(...)
2. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser argüida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há que se falar em preclusão, ao argumento de que a questão não foi suscitada na fase de registro de candidatura (Ac. nº 3.632/SP). Precedentes.
3. No recurso contra a expedição de diploma, não há litisconsórcio passivo necessário entre o diplomado e o partido político.
(...)
(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 7.022, rel. Min. Gerardo Grossi, de 14.8.2007).
Acerca da afirmação de que o TRE, na Consulta nº 88/2007, afastou a inelegibilidade da adoção de fato, e de que, no presente caso, não aplicou tal entendimento, o que igualmente ofenderia o princípio da segurança jurídica, cito o seguinte julgado:
Mandado de segurança. Ato. Tribunal Superior Eleitoral. Res.-TSE nº 22.585/2007. Resposta. Consulta nº 1.428. Não-cabimento.
1. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (Recurso em Mandado de Segurança nº 21.185/DF, rel. Min. Moreira Alves, de 14.12.1990), a resposta dada a consulta em matéria eleitoral não tem natureza jurisdicional, mas, no caso, é ato normativo em tese, sem efeitos concretos, por se tratar de orientação sem força executiva com referência a situação jurídica de qualquer pessoa em particular.
(...)
Agravo regimental a que se nega provimento.
Também não merece prosperar a alegação de ocorrência de indevida interpretação extensiva, pois este Tribunal já decidiu, em caso semelhante, em que também se discutia relação socioafetiva, que os sujeitos de relação estável homossexual se submetem à regra da inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal, a saber:
REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.
Recurso a que se dá provimento.
(Recurso Especial Eleitoral nº 24.564, rel. Min. Gilmar Mendes, de 01.01.2004)
Essa interpretação visa, assim como a hipótese tratada nos autos, a evitar a perpetuação de uma mesma família na chefia do Poder Executivo.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso especial.
VOTO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Este é um caso que tem alguns contornos muito específicos, a respeito do que a Constituição estabelece, mas me aterei ao que a jurisprudência tem entendido.
De fato a adoção é instituto de direito perfeitamente delimitado na legislação, porém parece-me que o que a Constituição determina quanto à inelegibilidade do § 7º do artigo 14 é dar concretude ao princípio da impessoalidade, para que se tenha a garantia de não influência específica, personalizada, voltada à manutenção de um grupo familiar no exercício de um poder ou de determinados cargos.
O Ministro Arnaldo Versiani trouxe a matéria e salientou, em um primeiro momento, que, de toda sorte, iríamos, em recurso especial, cogitar de provas, o que não seria possível, mas, para afastar exatamente esta situação, Vossa Excelência faz referência a algumas provas constantes dos autos.
O que me parece do que foi exposto das sustentações, dos memoriais apresentados e do brilhante voto do Ministro Relator foi que se buscou demonstrar que neste caso se configura um núcleo, senão familiar, no sentido mais específico, de uma adoção que é muito comum ainda no interior do Brasil: chamar-se de filho de criação, que é adoção, muitas vezes não formalizada, como neste caso. Mas há configuração perfeita de um núcleo que se mantém exatamente com influência específica, na realidade social, a desigualar o processo eleitoral, exatamente por conta dessa continuidade que se configura.
Não me parece que neste caso eu possa afastar a conclusão do TRE/PI com base no que foi posto e sem fazer análise específica de provas, o que realmente não seria possível, somente com os dados necessários para a configuração da aplicação da norma constitucional que afasta essa proximidade muito específica de uma familiaridade, senão de uma família.
Por isso, acompanho o Ministro Relator no seu brilhante voto, pedindo vênia aos que pensam em sentido contrário e até chamando a atenção para o fato de que esta é uma questão muito difícil devido ao ditame constitucional que faz referência a um instituto, o da adoção, que tem configuração legal prevista, o qual, neste caso, não teria sido formalmente adotado. Mas, até para cumprir a finalidade da norma constitucional, penso que estamos diante da situação pontuada pelo Ministro, e pareceu-me suficientemente caracterizada para que a aplicação da Constituição acabasse sendo no mesmo sentido: negar provimento ao recurso.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, em primeiro lugar, faço uma observação. A atribuição para responder a consulta é estritamente do Tribunal Superior Eleitoral. Os Regionais não podem adentrar essa área. Fico a imaginar 27 Tribunais respondendo a consultas sobre um Direito abrangente, de observação obrigatória em todo o território nacional.
Estamos a versar inelegibilidade, e não abuso do poder político ou econômico por parte do titular de chefia de Executivo municipal. Não é possível, quando adentramos essa área, partir para a interpretação analógica, nem escapar às balizas peremptórias da Carta da República, porque em jogo está a cidadania. O afastamento da cidadania é algo muito sério, a reclamar, portanto, previsão constitucional específica.
No § 7º do artigo 14 da Constituição Federal, quanto à inelegibilidade ante a adoção, descabe enquadrar, por exemplo, o filho denominado, na visão leiga, de criação. Não se pode incluir o afilhado na vida gregária ou mesmo na vida política. Há de se compreender o preceito tal como ele se contém. Quando o legislador, principalmente o constituinte, se refere a um instituto, ele o faz sob o ângulo técnico. Ao aludir à adoção, trata-se de adoção tal como disciplinada pela norma de regência, pelo Código Civil.
No caso, pode haver um empate relativamente às decisões, a prevalecerem os votos do Relator e da Ministra Cármen Lúcia, considerados dois pronunciamentos em processos originários do mesmo Estado, o Piauí.
Este Tribunal, mediante acórdão da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, assentou que a adoção meramente de fato – em apreço – não enseja a inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º, da Constituição Federal. É um julgado formalizado, ante o exame de caso, em sessão de 11 de março de 1997.
Evidentemente, não perfilho esse entendimento, mas cita-se trecho de manifestação do Relator segundo o qual não devemos mudar de enfoques conforme a composição do Tribunal. Não é esse o meu ponto de vista, porque penso que a atuação do julgador em um Colegiado há de ser espontânea, não uma apreciação vinculada a pronunciamento anterior.
Senhor Presidente, potencializa-se, no caso concreto, não o nome tal como consta do registro das pessoas naturais, e sim o nome fantasia, ou seja, ele seria, sob o ângulo técnico, o recorrente Fábio Soares Cesário, mas, segundo o citado calendário, voltado à propaganda, seria Júnior Sindô. O uso de um nome fantasia que ligue alguém a um político já conhecido na localidade não gera, a meu ver, inelegibilidade, pois esta – repito – deve estar prevista expressamente.
É certo que, nesse calendário, se apontou Júnior Sindô como filho propriamente dito, não sob o ângulo leigo – não estou partindo para apreciar fatos e sobrepor ao aspecto legal o que verificado –, mas, sob o ponto de vista técnico, não se trata. Essa circunstância não conduz a ter-se como incidente, na espécie, o preceito constitucional. A não ser pela calvície do possível adotante, não seria possível dizer quem é mais velho, considerados os retratos, se o ex-prefeito – no caso, Expedito Sindô – ou o denominado Júnior Sindô, que, para mim, não é filho adotivo!
Peço vênia para concluir que uma situação é chegar-se à cassação do registro tendo em conta o abuso do poder político e econômico, outra é reconhecer a inelegibilidade quando o caso concreto não se enquadra no figurino constitucional.
Divirjo do Relator e da Ministra Cármen Lúcia, para prover o recurso, ressaltando, mais uma vez, que o eleitor não é um tutelado.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Senhor Presidente, rogo vênia também ao eminente Relator e à ilustre Ministra Cármen Lúcia para acompanhar a divergência inaugurada pelo Ministro Marco Aurélio.
Entendo que, efetivamente, a norma constitucional é expressa e objetiva naquilo que quis limitar. Ela se refere à adoção, que é figura jurídica; não diz respeito a nada assemelhado à adoção.
Na verdade, o filho adotivo de fato – chamemos assim – não tem os mesmos direitos do adotado. Então, aquela pessoa que não tem os mesmo direitos do adotado receberá tratamento igual para pior ao do adotado no caso de inelegibilidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: No que o beneficie, ele está afastado do cenário.
O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: No que o beneficia está afastado, não é herdeiro. No que o prejudica, daremos o mesmo tratamento, o que me parece que, com a máxima vênia, não seria possível.
E o elastecimento da norma constitucional, que realmente é objetiva, parece-me que nos levaria no futuro a estendermos o parentesco consanguíneo ao parentesco em terceiro grau, porque vemos na norma constitucional que ela limita esse parentesco ao segundo grau.
No futuro, alguém virá a dizer que essa pessoa, esse primo, não era absolutamente distante, foi criado pelo prefeito, morava na casa do prefeito e por aí afora.
E haveria no caso um subjetivismo criando elastecimento extraordinário no tocante à norma constitucional. Muito embora já existissem essas situações de fato muito antes da Constituição de 1988, ela ainda não incorporou ao seu texto qualquer outra menção que não fosse até o segundo grau, bem como por adoção, que é, evidentemente, fruto de um processo legal, como destacado da tribuna pelo ilustre advogado da parte recorrente.
Por essas razões, além das já alinhavadas pelo eminente Ministro Marco Aurélio, rogo vênia para acompanhar a divergência e prover o recurso.
VOTO
O SENHOR MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO: Senhor Presidente, Senhores Ministros, peço vênia à divergência para acompanhar o ilustre Relator e a Ministra Cármen Lúcia. Penso que a consideração da disciplina constitucional deve ter assento fundamentalmente na ideia do grupo familiar.
A legislação brasileira, em nosso sistema, caminha exatamente superando essas contradições existentes quanto a situações de fato perfeitamente idênticas a situações jurídicas que não merecem o mesmo tratamento.
Mas, no particular do filho de criação, basta lembrar recente lei que permite a adoção do nome do padrasto pelo enteado. Isso significa que é uma mudança do sistema, uma entrada do sistema na verdadeira realidade social a que ele se refere. Penso que foram esses os pontos que a ilustre Ministra acentuou, sobretudo na visão constitucional, e o Ministro Relator.
Peço vênia à divergência, respeitosamente, para acompanhar o eminente Ministro Relator.
ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Senhor Presidente, só para complementar: o ilustre advogado da parte recorrida mencionou da tribuna um precedente da Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. O precedente é diferente, data venia, porque, quando se refere a vínculo socioafetivo, a discussão era completamente outra: era alguém que estava registrado como filho, muito embora o registrante soubesse que a pessoa não era seu filho, e anos mais tarde, procurou desconstituir essa situação.
Ou seja, alguém declarou uma pessoa que não era seu filho como tal, viveu não se sabe quantos anos tendo aquela pessoa como filho registrado e, depois, decidiu que não queria mais tê-lo como filho, muito embora desde sempre soubesse que não era seu.
Então, foi nesta situação que foi reconhecido naquele precedente, esse vínculo socioafetivo. E reconhecido a favor do filho e não contra ele, como aqui se pretende.
Esse esclarecimento foi apenas para destacar a especificidade da situação retratada naquele precedente.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para acompanhar a divergência.
Como assentaram os Ministros Marco Aurélio e Aldir Passarinho Junior, a inelegibilidade é matéria de direito estrito, então não devemos, a meu ver, ampliar suas hipóteses mediante construção jurisprudencial, ainda mais em terreno tão subjetivo quanto me parece ser esse do “filho de criação”.
Qual é o critério para saber o que caracteriza um filho de criação?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Ele seria mais, em termos de inelegibilidade, do que o parente em terceiro grau – tio-sobrinho.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Que é o critério objetivo. Ou seja, na verdade, estaremos numa situação de, a cada caso, verificar fatos sem nenhuma regra para se basear. É muito comum pelo Brasil afora a figura do agregado da família, aquele cidadão que está sempre presente, muito amigo dos filhos. Como faremos a distinção sem uma lei, sem uma regra?
Diante dessas peculiaridades e pelo fato de se tratar de matéria de restrição de direitos, peço vênia ao Relator, à Ministra Cármen Lúcia e ao Ministro Hamilton Carvalhido para acompanhar a divergência.
VOTO
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Senhores Ministros, peço vênia à divergência para acompanhar o eminente Relator. Entendo que a Corte Regional não interpretou a cláusula de inelegibilidade extensivamente, mas a interpretou segundo sua vocação teleológica.
O que versava a Constituição? O que quiseram os constituintes? A Constituição e os constituintes quiseram exatamente evitar a formação de oligarquias, o continuísmo, o compadrio, a perpetuação de famílias num determinado cargo.
Também peço vênia para entender que, no caso dos autos, não estamos interpretando o material probante coletado de forma subjetiva. Parece-me que exsurge dos autos, com muita clareza, que o recorrente apresentava-se, sim, como filho, tanto é que – isso até foi dito da tribuna –, em vários cartazes em que o prefeito felicita a comunidade por ocasião das festas, o recorrente é apresentando como filho, embora não seja um filho biológico. Aliás, ele é denominado e conhecido na comunidade como Junior Sindô, e o ex-prefeito, que já havia sido reeleito, é exatamente Expedito Sindô.
Trata-se, portanto, de paternidade socioafetiva, e esse vínculo socioafetivo já foi reconhecido e equiparado ao vínculo sanguíneo pelos especialistas em Direito Civil, inclusive, pelo próprio Conselho da Justiça Federal, a partir de enunciados elaborados com base em conclusões tiradas das chamadas Jornadas de Direito Civil.
Por exemplo, o Enunciado nº 103 do Conselho da Justiça Federal estabelece:
“103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.”
Já o Enunciado nº 108 dispõe:
“108 – Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593 [compreende-se, à luz do disposto no artigo 1.593] a filiação consangüínea e também a socioafetiva.”
E, por sua vez, o Enunciado nº 256, que decorre da 3ª Jornada de Direito Civil, estabelece:
“256 – Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.”
Portanto, com a devida vênia, estou entendendo que, no caso, o Tribunal Regional Eleitoral nada mais fez do que aplicar um precedente já consagrado nesta Corte, que é aquele mencionado da tribuna por parte do eminente Relator, da cidade de Viseu, no Pará, em que se reconheceu a inelegibilidade decorrente das relações estáveis.
Então, mutatis mutandis, a meu ver, aplica-se esse precedente, que encontra esteio, arrimo, na prova dos autos, porque me parece muito claro esse relacionamento socioafetivo que se firmou entre o recorrente, que é conhecido como Junior Sindô, e o ex-prefeito reeleito, Expedito Sindô.
Por essas razões, nego provimento ao recurso, pedindo vênia mais uma vez à douta dissidência que se articulou neste Plenário. DJE de 22.03.2011.