quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Questões controversas de Direito Eleitoral

Caros leitores do blog,

Tendo em vista os inúmeros e-mail's solicitando esclarecimentos de Direito Eleitoral, indagações sobre possíveis aulas específicas para o TSE, o TRE/PR, o TRE/CE e o TRE/SP e a criação de cargos na Justiça Eleitoral, respondo (rs):
1. Para facilitar a elaboração de minhas respostas às dúvidas, responderei todos os questionamentos postados no meu Twitter @LeoHernandez ou no meu Facebook.
2. Estou analisando propostas a fim de ministrar aulas para esses concursos específicos ao mesmo tempo conciliando minhas atividades no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, entretanto considero a possibilidade de lecionar Direito Eleitoral através do YouTube ou pela TV Assembléia Legislativa de Goiás.
3. Na quinta-feira, postarei a nova proposta da Justiça Eleitoral de criação de cargos em todos os Tribunais Regionais Eleitorais.

Um forte abraços e bons estudos,

Leonardo Hernandez

Vice-Prefeito, Vice-Governador ou Vice-Presidente da República perde o mandato por infidelidade partidária?

Pergunta: Vice-Prefeito, Vice-Governador ou Vice-Presidente da República perde o mandato por infidelidade partidária?

A Resolução TSE n. 22.610/2007 estabelece no seu artigo 1°: “ O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa”. Na resposta à Consulta 1.407/DF no TSE, o Ministro Carlos Ayres Britto ao relatar consulta sobre infidelidade partidária asseverou a sua abrangência à todos os “exercentes de mandato eletivo”.

A dúvida residiria se o Vice-Prefeito seria ocupante de mandato eletivo.

A maioria dos Tribunais Eleitorais entendem que o Vice-Prefeito é ocupante de mandato eletivo, tendo em vista que a chapa majoritária é una e indivisível – pois vota-se ao mesmo tempo no Chefe do Poder Executivo e no seu respectivo Vice – e o vice seria eleito conjuntamente com o Prefeito.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

“Consulta. Fidelidade partidária. O ato de desfiliar de um partido para se filiar em outra agremiação política poderá ofender ao disposto no art. 17, § 1º, da Constituição da República do Brasil, desde que a desfiliação não ocorra por justa causa (art. 1º, § 1º, da Resolução TSE nº 22.610, de 25/10/2007). Contudo, é a análise do caso concreto que permitirá aferir se houve infidelidade partidária. Se se tratar de Vice-Prefeito que se desfilia de partido para ingressar em outro, com vista a concorrer em futuro pleito, caberá a seu ex-partido ajuizar ou não o procedimento pertinente, tratando-se de exercício de direito de ação (art. 1º da Resolução TSE nº 22.610/2007). Caso ajuizado, o caso concreto também será analisado, a fim de se verificar se houve ou não justa causa para a desfiliação. Se for caso somente de concorrer ao pleito em 2010, trata-se de questão que não se encontra prevista no art. 1º, § 1º, da Resolução TSE nº 22.610/2007, ou seja, a desfiliação partidária não tem por base justa causa. Consulta respondida”.

(TRE-MG, CONSULTA nº 97, Acórdão de 15/09/2009, Relator(a) MAURÍCIO TORRES SOARES, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 21/09/2009 RDJ - Revista de Doutrina e Jurisprudência do TRE-MG, Tomo 21, Data 09/09/2010, Página 75 )

“RECURSO ELEITORAL. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. VICE-PREFEITO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. DATA DO DESLIGAMENTO DO PARTIDO DE ORIGEM. DECADÊNCIA RECONHECIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I. Indubitável a possibilidade de decretação da perda do mandato eletivo obtido pelo sistema eleitoral majoritário em razão de infidelidade partidária, consoante consignado pelo Tribunal Superior Eleitoral em resposta à Consulta nº 1.407.

II. A eleição para os cargos do Poder Executivo se dá por meio da formação de chapa única e indivisível, elegendo-se, diplomando-se e empossando-se, simultaneamente, titular e vice. No mais, a despeito de subordinado ao titular, exerce o vice-prefeito cargo político-eletivo, cujas atribuições não se restringem à substituição e para as quais há previsão de remuneração por meio de subsídio.

III. Deve-se aplicar à hipótese em estudo, de forma literal, o §2º do art. 1º da Res. TSE 22.610/2007, contando-se o prazo decadencial de 30 dias a partir data do desligamento do detentor mandato do partido pelo qual se elegera”.

(TRE-RJ,, RECURSO ELEITORAL nº 2582, Acórdão nº 56.170 de 09/08/2011, Relator(a) SERGIO SCHWAITZER, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 116, Data 12/08/2011, Página 09 ).

“(...). - VICE-PREFEITO - RES. TSE N. 22.610/2007 - APLICABILIDADE -INTERESSE PROCESSUAL DA GREI PARTIDÁRIA - EXISTÊNCIA.

II - O vice-prefeito incorre nos efeitos resultantes da desfiliação sem justa causa, segundo pronunciou-se a Corte Superior Eleitoral por meio da Consulta n. 1.407. O interesse do partido na decretação da perda do cargo independe de posterior preenchimento da vaga.

(...).

(TRE-SC, CONSULTA nº 80325, Resolução nº 7836 de 19/10/2011, Relator(a) NELSON MAIA PEIXOTO, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 197, Data 25/10/2011, Página 5 ).

Entretanto, a matéria não é pacífica na Justiça Eleitoral, tendo várias decisões de primeira instância no sentido da impossibilidade de se manejar a ação de infidelidade partidária contra o Vice-Prefeito que muda para outro partido sem justa causa, salvo na hipótese de ter assumido a titularidade plena do cargo de Prefeito. Nessa vereda, destaca-se o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná:

“INFIDELIDADE - VICE-PREFEITO - SUFRÁGIO PLURAL INDIRETO - INEXISTÊNCIA DE EXERCÍCIO DE MANDATO - MERA EXPECTATIVA SUBSTITUTIVA - INVIABILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA À NORMA - PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL POR OMISSÃO LEGISLATIVA - EXTINÇÃO DO PROCESSO - ART. 267, VI, DO CPC.

1. O Vice-Prefeito não está sujeito às regras de infidelidade partidária posto não exercer cargo eletivo, mas mera expectativa substitutiva nos casos de impedimentos legais do titular.

2. O candidato a vice não recebe um voto sequer em eleições e está atrelado ao voto conferido ao titular do cargo eletivo majoritário disputado, razão pela qual a sua eleição é considerada como sufrágio plural indireto.

3. Não havendo exercício de mandato, mas mera expectativa, inviável e juridicamente impossível o requerimento de perda de mandato por infidelidade partidária, uma vez que mandato não há na acepção jurídico-eleitoral do tema.

4. Extinção do feito em razão da falta de uma das condições da ação, ou seja, a possibilidade jurídica do pedido, na forma do art. 267, VI, do CPC.

(TRE-PR, PROCESSO nº 1861, Acórdão nº 38.016 de 24/03/2010, Relator(a) MUNIR ABAGGE, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 5/4/2010 ).

Em que pese a divergência sobre a matéria, o Tribunal Superior Eleitoral ainda não se posicionou concretamente sobre a hipótese em comento, razão pela qual o tema merece uma consulta a ser formulada por autoridade federal sobre o tema à Corte Superior para fins de pacificação da jurisprudência eleitoral.

A tese do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná é louvável, pois defende a analogia e enquadra o Vice-Prefeito na mesma característica de suplente de vereador e/ou deputado, no que tange a mera expectativa de exercer a titularidade da Chefia do Poder Executivo ou do mandato legislativo.

Na atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, os suplentes, mesmo tendo recebido votos, se não estiverem no exercício do mandato legislativo temporariamente ou definitivamente não sofrerão ação de infidelidade partidária por mudança de partido sem justa causa na Justiça Eleitoral. Por sua vez, considerando a posição da maioria dos Tribunais Eleitorais, o Vice- Prefeito ou Vice-Governador ou Vice-Presidente, mesmo não sendo votados individualmente pelos eleitores, caso mudem de partido político sem justa causa estão sujeitos a serem demandados numa ação de infidelidade partidária na Justiça Eleitoral.

Ademais, destaca-se a Consulta n. 1679 do TSE, que assentou a impossibilidade de se manejar a ação de infidelidade partidária contra o suplente de Senador que muda de partido político sem justa. Para a eleição de Senador e seus suplentes utiliza-se o sistema majoritário, que também é utilizado para as eleições de Presidente da República, Governador, Prefeito e seus respectivos Vices. Estaria nessa consulta um indicativo da posição do TSE sobre o tema? Confira:

“Consulta. Suplente. Senador. Mudança. Agremiação. Infidelidade partidária.

1. No recente julgamento do Agravo Regimental na Representação nº 1.399, relator Ministro Felix Fischer, o Tribunal decidiu que a mudança partidária de filiados que não exercem mandato eletivo, como na hipótese de suplentes, consubstancia matéria interna corporis, e escapa da competência da Justiça Eleitoral.

2. Em face desse entendimento, não há como se enfrentar questionamentos relativos à eventual migração partidária de suplente de senador.

Consulta não conhecida”.

(Consulta nº 1679, Resolução nº 23017 de 10/03/2009, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 26/3/2009, Página 36 ).

Assim, numa prova objetiva a melhor assertiva será a resposta positiva à indagação inicial, salvo se for uma prova no Estado do Paraná. Agora numa prova discursiva ou oral é importante destacar as duas teses, destacando a diferença entre o sistema proporcional e o majoritário, além da exceção do suplente de Senador.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Propaganda Eleitoral e as felicitações de natal e ano novo.

Pergunta interessante: “Estamos em época de natal, é permitido aos políticos enviar cartão de natal utilizando-se de fotografia e marca de campanha?”

Vejamos o caso em tela.

A jurisprudência eleitoral se posiciona pela possibilidade de envio de cartões de natal, por essa prática, em tese, como mera promoção pessoal, conforme se infere dos seguintes arestos:

"RECURSO ELEITORAL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. DISTRIBUIÇÃO DE CARTÕES DE FELICITAÇÃO DE ANO NOVO. IMAGEM CONTENDO DETALHES NATALINOS E O CANDIDATO A PREFEITO COM UM GESTO DE ARREGAÇAR A MANGA DA CAMISA. ELEIÇÃO MUNICIPAL EXTRAORDINÁRIA. ALEGAÇÃO DE PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA. CONOTAÇÃO ELEITOREIRA. NÃO CONSTATAÇÃO. PROVIMENTO NEGADO.

(...).

Distribuição de cartões de felicitações de Ano Novo com imagem contendo detalhes natalinos, o candidato à eleição extraordinária num gesto de arregaçar a manga da camisa e os dizeres E não se esqueça, dia 6 de fevereiro você tem um compromisso com Dourados não é considerada propaganda irregular, já que nela não consta a presença dos elementos objetivos geradores da propaganda eleitoral antecipada, mas sim se perfaz como mera promoção pessoal”.

(TRE-MS, RECURSO ELEITORAL nº 713, Acórdão nº 6875 de 15/02/2011, Relator(a) ARY RAGHIANT NETO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 306, Data 28/2/2011, Página 11 ).

"Recurso Eleitoral. Propaganda eleitoral extemporânea. Art. 36 da Lei nº 9.504/97. Candidato a vereador. Distribuição de calendários com mensagem alusiva aos festejos de natal e ano novo. Não configuração de propaganda extemporânea. Mero ato de promoção pessoal. Ausência de menção a circunstâncias eleitorais. Recurso provido”.

(TRE-MG, RECURSO ELEITORAL nº 20662000, Acórdão nº 270 de 29/03/2001, Relator(a) JOÃO SIDNEY ALVES AFFONSO, Publicação: DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 26/04/2001, Página 55 ).

“(...).

2. A exposição de outdoor bem como a distribuição de cartões veiculando felicitações pela passagem do Natal não configuram a prática de propaganda eleitoral extemporânea”.

(TRE-PA, Representação nº 16942, Acórdão nº 22831 de 04/05/2010, Relator(a) EDISON MOREIRA GRILLO JUNIOR, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/05/2010, Página 02 )

"PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DIVULGAÇÃO DE IMPRESSOS COM FOTOGRAFIA E CURRÍCULO. CARTÃO COM MENSAGEM NATALINA. ATOS QUE CONFIGURAM MERA PROMOÇÃO PESSOAL. RECURSO DESPROVIDO”.

(TRE-SP, RECURSO CIVEL nº 19342, Acórdão nº 149549 de 25/08/2004, Relator(a) EDUARDO AUGUSTO MUYLAERT ANTUNES, Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 30/08/2004, Página 98 ).

"Mensagens de felicitações. Natal e ano novo. Ausência de pedido de voto ou menção a cargo eletivo.

Na linha dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, mensagens de felicitação contendo o nome e cargo do político, sem qualquer menção à sua atuação política, planos ou interesse a pleito futuro, configura mera promoção pessoal”.

(TRE-RO, RECURSO EM REPRESENTAÇÃO nº 194203, Acórdão nº 496/2010 de 09/11/2010, Relator(a) AMAURI LEMES, Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Data 12/11/2010 ).

Entretanto, a mesma jurisprudência tem entendido em casos semelhantes pela impossibilidade da utilização da mesma marca e fotografia de campanha em felicitações natalinas, sob pena de se configurar propaganda eleitoral extemporânea.

Nesse sentido, cumpre destacar os seguintes julgados:

"REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. TEMPESTIVIDADE. DISTRIBUIÇÃO DE CALENDÁRIO COM NÍTIDO CARÁTER POLÍTICO PROMOCIONAL. DESCARACTERIZAÇÃO DE ATO DE MERA PROMOÇÃO PESSOAL.

1. É tempestiva a Representação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral dentro dos prazos previstos pela jurisprudência do TSE.

2. Viola o disposto na Resolução n.º 23.089/2009, do TSE, de 1º de julho de 2009, a divulgação de propaganda eleitoral antecipada por meio de calendário em que são apostas fotografias destacando a atuação política de pré-candidato ao cargo de Deputado Federal, com a menção expressa à sigla do partido e do ano eleitoral.

3. Aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei n.º 9.504/97

4. Improvimento do Recurso”.

(TRE-CE, REPRESENTAÇÃO nº 109023, Acórdão nº 109023 de 03/05/2010, Relator(a) JOÃO LUÍS NOGUEIRA MATIAS, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 83, Data 12/05/2010, Página 7/8 ).

"Recurso. Propaganda eleitoral extemporânea. Condenação no Juízo a quo. Aplicação de multa prevista no § 3º do art. 36 da Lei nº 9.504, de 1997.

Distribuição de calendários com nome do candidato, o cargo ao qual concorre e seu slogan. Demonstração de intenção de angariar votos nas eleições ocorridas no ano de 2000. Comprovação nos autos do prévio conhecimento do recorrente acerca da veiculação da propaganda.

Recurso a que se nega provimento”.

(TRE-MG, RECURSO ELEITORAL nº 22242000, Acórdão nº 237 de 16/03/2001, Relator(a) MARIA LUÍZA VIANA PESSOA DE MENDONÇA, Publicação: DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 20/04/2001, Página 69 RDJ - Revista de Doutrina e Jurisprudência do TRE-MG, Tomo 10, Data 01/09/2002, Página 86 ).

"Recurso. Representação. Outdoor. Condenação nas sanções do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Propaganda eleitoral subliminar extemporânea configurada, tendo em vista as peculiaridades da espécie: outdoor fixado em local de alto impacto visual, em período pré-eleitoral, veiculando mensagem de felicitação de Natal e Ano Novo que divulga foto de atual prefeito de município ao lado do vereador representado - virtual candidato à sua sucessão -, sigla e número do partido pelo qual concorrerá, além de expressão ligada a circunstâncias que favorecem a candidatura do parlamentar recorrente - todos esses elementos formando um contexto que extrapola a mera promoção pessoal admitida pelos demandados e revela nítido propósito eleitoral.

Inviabilidade da minimização da responsabilidade da agremiação recorrente, ante os termos do art. 241 do Código Eleitoral, ressaltando-se que a solidariedade aludida no citado dispositivo não decorre da participação direta ou indireta do partido na veiculação da publicidade, mas da vantagem obtida com a difusão da imagem do candidato, uma vez que os votos conferidos a este também o são para a organização partidária a que está filiado.

(...).

Provimento parcial”.

(TRE-RS, RECURSO - REPRESENTAÇAO nº 122008, Acórdão de 12/06/2008, Relator(a) DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Tomo 110, Data 17/06/2008, Página 92).

"RECURSO - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA - MENSAGEM EM DATA COMEMORATIVA –

A mensagem veiculada através da mídia e realizada em face de data comemorativa, tais como aniversário da cidade, dia das mães, natal e final de ano, somente se configura como propaganda eleitoral antecipada se divulgar a candidatura e a ação que se pretende desenvolver ou as qualidades que levem à conclusão de que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública. Fora deste contexto a conduta se encontra nos exatos limites da lei”.

(TRE-TO, REPRESENTACAO - PROPAGANDA ELEITORAL nº 4899, Acórdão nº 4899 de 19/07/2006, Relator(a) LUIZ ASTOLFO DE DEUS AMORIM, Publicação: SESSAO - Publicado em Sessão, Data 19/07/2006 ).

Assim, não é aconselhável em época de natal, enviar cartões natalinos ou mensagens de congratulações pelo ano novo, contendo fotografia e marca de campanha dos pretensos candidatos às eleições de 2012.

domingo, 3 de abril de 2011

Criação de um novo Partido - O caso do PSD

Atualmente, está em discussão no meio político e vem sendo veiculado na mídia ( http://glo.bo/e7DqbD ) a criação de um novo partido político, o PSD - Partido Social Democrático.
Tal matéria pode ser cobrada nos concursos do TRE/SP, TRE/RJ, TRE/MG, dentre outros, inclusive na Magistratura e no Ministério Público, e do próprio TSE, sob a ótica da matéria eleitoral e constitucional.
Primeiramente, devemos relembrar que o Partido Social Democrático (PSD) foi um partido político brasileiro, fundado em 17 de julho de 1945 e extinto pela ditadura militar, pelo Ato Institucional Número Dois (AI-2), em 27 de outubro de 1965 (vide http://bit.ly/ibPNUt ).

1. Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, é imprescindível descrevermos os requisitos para a criação de um partido político.

A Constituição Federal em seu artigo 17 estabelece:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)


§ 2º - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.


§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.


§ 4º - É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Inicialmente, deve-se ressaltar a natureza jurídica dos partidos políticos de serem pessoas jurídicas de direito privado. As bancas examinadoras insistem em perguntar se os partidos políticos políticos adquirem personalidade jurídica após o registro de seus estatutos no TSE. Essa assertiva é errada, pois os partidos políticos adquirem personalidade jurídica após o registro no Cartório de Pessoas Jurídicas de Brasília/DF, enquanto o direito ao funcionamento como partido político em toda a sua plenitude - v.g. repasse de cotas do fundo partidário e acesso a propaganda partidária e eleitoral gratuita - apenas é assegurado com o registro no TSE e observado os requisitos da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95).

Nessa vereda, cumpre destacar trechos da Lei n. 9.096/95:

Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
§ 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.
§ 2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos fixados nesta Lei.
§ 3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão.

Art. 8º O requerimento do registro de partido político, dirigido ao cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, da Capital Federal, deve ser subscrito pelos seus fundadores, em número nunca inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados, e será acompanhado de:
I - cópia autêntica da ata da reunião de fundação do partido;
II - exemplares do Diário Oficial que publicou, no seu inteiro teor, o programa e o estatuto;
III - relação de todos os fundadores com o nome completo, naturalidade, número do título eleitoral com a Zona, Seção, Município e Estado, profissão e endereço da residência.

§ 1º O requerimento indicará o nome e função dos dirigentes provisórios e o endereço da sede do partido na Capital Federal.
§ 2º Satisfeitas as exigências deste artigo, o Oficial do Registro Civil efetua o registro no livro correspondente, expedindo certidão de inteiro teor.
§ 3º Adquirida a personalidade jurídica na forma deste artigo, o partido promove a obtenção do apoiamento mínimo de eleitores a que se refere o § 1º do art. 7º e realiza os atos necessários para a constituição definitiva de seus órgãos e designação dos dirigentes, na forma do seu estatuto.
Art. 9º Feita a constituição e designação, referidas no § 3º do artigo anterior, os dirigentes nacionais promoverão o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral, através de requerimento acompanhado de:
I - exemplar autenticado do inteiro teor do programa e do estatuto partidários, inscritos no Registro Civil;
II - certidão do registro civil da pessoa jurídica, a que se refere o § 2º do artigo anterior;
III - certidões dos cartórios eleitorais que comprovem ter o partido obtido o apoiamento mínimo de eleitores a que se refere o § 1º do art. 7º.
§ 1º A prova do apoiamento mínimo de eleitores é feita por meio de suas assinaturas, com menção ao número do respectivo título eleitoral, em listas organizadas para cada Zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo Escrivão Eleitoral.
§ 2º O Escrivão Eleitoral dá imediato recibo de cada lista que lhe for apresentada e, no prazo de quinze dias, lavra o seu atestado, devolvendo-a ao interessado.
§ 3º Protocolado o pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral, o processo respectivo, no prazo de quarenta e oito horas, é distribuído a um Relator, que, ouvida a Procuradoria-Geral, em dez dias, determina, em igual prazo, diligências para sanar eventuais falhas do processo.
§ 4º Se não houver diligências a determinar, ou após o seu atendimento, o Tribunal Superior Eleitoral registra o estatuto do partido, no prazo de trinta dias.

Percebe-se, então, três requisitos para o partido ser registrado no TSE:
a) registro do partido político no Cartório de Pessoas Jurídicas da Capital Federal.
b) caráter nacional, comprovado com o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.
c) requerimento do registro de partido político ao TSE subscrito por, no mínimo, 101 (cento e um) fundadores, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados - observado os requisitos supracitados.

Vencidos esses requisitos, o novo partido passa a ter direito ao fundo partidário e a propaganda partidária e eleitoral gratuita no rádio e na tv. Entretanto, aqui reside o problema para os novos partidos políticos.

2. No ano de 2011, a receita estimada para 0 Fundo Especial de Assistência aos Partidos Políticos - ou "fundo partidário" - foi de R$ 301.483.295,00 (vide http://bit.ly/fEH57F ). Sua fonte de receitas está prevista no artigo 38 da Lei n. 9.096/95, que estabelece como fontes: a) multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; b) recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; c) doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário; e d) dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. É importante frisar que o maior volume de receitas partidárias é oriundo do último item, quase R$265.351.547,00 , ou seja, mais de 88% de seu montante.

Por sua vez, A Lei dos Partidos Políticos estabelece a seguinte divisão do Fundo Partidário:

Art. 41-A. 5% (cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 95% (noventa e cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão distribuídos a eles na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. (Incluído pela Lei nº 11.459, de 2007).


Assim, tendo em vista o ano de 2011, todos os partidos políticos tem direito a 5% do total do fundo partidário (R$ 15.074.164,75), dividindo-se esse valor pelos 27 partidos que têm registro no TSE, cada agremiação partidária têm direito ao valor de R$ 558.302,39. Caso o PSD seja registrado no TSE, teremos 28 partidos, a sua cota no fundo partidário será de R$ 538.363,02. E os 95%? Veja que a Lei dos Partidos Políticos estabelece a distribuição entre os partidos que tenham eleito deputados federais nas últimas eleições. Portanto, com a criação do PSD nesse período, ele não terá eleito nenhum deputado federal eleito por ele, por ter sido criado após as eleições gerais de 2010 e antes das eleições gerais de 2014. A dúvida reside na hipótese de migração de deputados federais eleitos por outros partidos para o novo partido. Esse tema ainda não foi enfrentado diretamente pelo TSE. O único posicionamento é o de observância à literalidade da Lei dos Partidos Políticos:

PETIÇÃO. PARTIDO POLÍTICO. CÁLCULO DE COTA DO FUNDO PARTIDÁRIO. ACRÉSCIMO DE VALORES DO PARTIDO INCORPORADO AO PARTIDO INCORPORADOR.
1. Conforme o disposto no art. 7º, § 2º, e no art. 29, § 7º, da Lei nº 9.096/95, o partido político só passa a ter acesso à cota do fundo partidário, referente ao partido incorporado, após a averbação da incorporação pelo TSE, atendidos os requisitos legais e regulamentares.
(...).
(TSE, PETIÇÃO nº 2623, Resolução nº 22592 de 25/09/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data 30/10/2007, Página 168 ).

Assim, pelas interpretações literal e teleológica - finalidade da norma - do artigo 41-A, o PSD não teria direito a fatia de 95% do fundo partidário, mesmo se os deputados federais eleitos em 2010 migrarem para o novo partido. A jurisprudência existente no TSE indica que a fusão de partido político é a única possibilidade para um novo partido político ter direito a essa fatia de 95%, sem ter efetivamente eleito deputado federal, pois nessa hipótese ele fará jus a cota partidária do partido incorporador ou incorporado que tenha eleito deputado federal na última eleição geral. Nesse diapasão, destaca-se o arresto do TSE:

CONSULTA. PRAZO MÍNIMO. ART. 18 DA LEI Nº 9.096/95. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. NOVA LEGENDA. PLEITO DE 2006. TRANSFERÊNCIA DO TEMPO DE RÁDIO E TV. VERBA DO FUNDO PARTIDÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.
(...).
III - Não poderá ser transferido o tempo de rádio, televisão e verba do Fundo Partidário ao deputado federal filiado a partido político estranho à fusão que decida filiar-se a novo partido.

(TSE, CONSULTA nº 1197, Resolução nº 22223 de 06/06/2006, Relator(a) Min. FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 22/06/2006, Página 52 ).

3. Por outro lado, vejamos a divisão da propaganda partidária e eleitoral gratuita, sob o escopo de criação de um novo partido:

- Propaganda Partidária. Conforme a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1351 (vide http://bit.ly/gdWjeh ) o artigo 48 e a expressão "que atenda ao disposto no art. 13" do artigo 49 foram declarados inconstitucionais e, portanto, todos os partidos políticos registrados no TSE têm direito: a) realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; e b) a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais. Assim, o novo partido a ser criado ou o PSD não sofrem prejuízo com a propaganda partidária gratuita.
- Propaganda Eleitoral. O artigo 47 da Lei das Eleições - Lei n. 9.504/97 estabelece:

Art. 47. As emissoras de rádio e de televisão e os canais de televisão por assinatura mencionados no art. 57 reservarão, nos quarenta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na forma estabelecida neste artigo.
§ 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do parágrafo anterior, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato e representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios :
I - um terço, igualitariamente;
II - dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integram.
§ 3o Para efeito do disposto neste artigo, a representação de cada partido na Câmara dos Deputados é a resultante da eleição. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006).


Por tais razões, um novo partido político a ser criado nesse período de 2011 a 2014 - que não venha a ser incorporado por outro partido - fará jus invididualmente apenas a um terço da propaganda eleitoral gratuita nas eleições de 2012 e 2014, pela impossibilidade jurídica de eleger deputados federais nas eleições de 2010. Frise-se, esse entendimento - baseado nas interpretações literal e teleológica do artigo 47, §2º, inciso II, da Lei n, 9.504/97 -, mesmo na hipótese de filiação de deputados eleitos por outros partidos ao novo partido. Assim, o PSD pode ser prejudicado na divisão de propaganda eleitoral gratuita, especialmente, se não coligar-se com outros partidos nas eleições municipais de 2012 e gerais de 2014.

4. CONCLUSÕES:

Caros alunos e leitores do blog, o posicionamento exposado acima é baseado nas posições dos tribunais eleitorais, que podem vir a ser alteradas na análise do caso concreto ou até mesmo suscitada a inconstitucionalidade dos diplomas normativos no STF. Outrossim, no atual sistema partidário brasileiro, a melhor época para se criar um partido político é no máximo 1 ano e meio antes das eleições gerais, afim de se possibilitar uma apreciação cuidadosa pelo TSE e ao levar em conta que a novel agremiação partidária apenas será prejudicada nas eleições gerais iminentes.
Além disso, evidencia-se que o atual sistema dificulta a criação de novos partidos políticos, o que pode, conforme os julgados do STF nas ADI's n. 1351 e n. 1358, gerar uma ação direta de inconstitucionalidade para contestar as aludidas normas.
Assim, um novo partido político - que não tenha eleito deputados federais - terá direito a participar da divisão de 5% do fundo partidário, a integralidade da propaganda partidária e a um terço da propaganda eleitoral gratuita.

Exemplo prático: Caso o PSD seja registrado no TSE em 2011 e sejam mantidos os entendimentos exposados, ele será prejudicado na repartição do fundo partidário e na divisão do horário eleitoral gratuito das eleições de 2012 e 2014. Por outro lado, caso ele seja registrado no primeiro semestre de 2013 junto ao TSE e eleja deputados federais em 2014, os políticos poderão migrar para ele até o prazo do início de outubro de 2013 - prazo final para novas filiações partidárias para quem pretenda se candidatar às eleições vindouras - e o partido apenas terá prejuízo na divisão do fundo partidário por pouco mais de 1 ano e apenas por um pleito a diminuta propaganda eleitoral gratuita - isso se o partido não se coligar com outros.

TSE - Precedente acerca da possibilidade da adoção de fato gerar a inelegibilidade reflexa.

No acórdão do TSE, por maioria (4 a 3), o Ministro Arnaldo Versiani (Jurista) - relator- , a Ministra Carmen Lúcia (STF) - Vice-Presidente do TSE -, o Ministro Hamilton Carvalhido (STJ) e o Ministro Enrique Lewandosvski (STF) - Presidente do TSE - votaram no sentido de que a figura de "filho de criação" - adoção de fato - gera a inelegibilidade reflexa prevista no artigo 14, §7º, da Constituição Federal. Divergiram dessa tese os Ministros Marco Aurélio (STF), Aldir Passarinho (STJ) - Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral - e Marcelo Ribeiro (Jurista), que entendiam que apenas a adoção disciplinada no código civil geraria a inelegibilidade reflexa. Essa decisão é de extrema importância, pois modificou o entendimento da corte datado de 1997 de que a adoção de fato não geraria inelegibilidade reflexa. Merece destaque também a posição minoritária do Ministro Marco Aurélio contrária do permissivo do Código Eleitoral (art. 30, inciso VIII, - competência privativa dos tribunais regionais para responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político), sustentando que os Tribunais Regionais Eleitorais não seriam competentes para responder consultas sobre a interpretação da legislação eleitoral.

O acórdão do TSE contêm grifos do blog para facilitar a leitura dos trechos mais importantes.

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 54101-03/PI

Relator: Ministro Arnaldo Versiani

Recurso contra expedição de diploma. Adoção de fato. Inelegibilidade.

1. Para afastar a conclusão do TRE/PI, de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação de antecessor ex-prefeito, seria necessário o revolvimento do acervo probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.

2. O vínculo de relações socioafetivas, em razão de sua influência na realidade social, gera direitos e deveres inerentes ao parentesco, inclusive para fins da inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal.

3. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser arguida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há falar em preclusão.

Recurso não provido.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em negar provimento ao recurso, nos termos das notas de julgamento.

Brasília, 15 de fevereiro de 2011.

MINISTRO ARNALDO VERSIANI - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor Presidente, Antônio Milton de Abreu Passos e Joana de Sousa Bacelar, segundos colocados no pleito de 2008, interpuseram recurso contra expedição de diploma contra o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Pau D’Arco do Piauí/PI.

O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, por unanimidade, rejeitou matéria preliminar e, no mérito, deu provimento ao recurso contra expedição de diploma, para desconstituir os diplomas dos eleitos, com a proclamação de eleição dos segundos colocados.

Eis a ementa do acórdão regional (fl. 713):

Recurso Contra Expedição de Diploma. Relação socioafetiva comprovada. Filho de criação. Incidência do art. 14, § 7º, CF/88. Inelegibilidade constitucional comprovada.

Abuso do poder econômico e político não provado.

Comprovada a relação socioafetiva de filho de criação do prefeito eleito em relação a seu antecessor, impõe-se a aplicação da inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da Constituição Federal c/c art. 262, inciso I, do Código Eleitoral, com a desconstituição dos mandatos do prefeito e do vice-prefeito.

Recurso provido.

Seguiu-se, concomitantemente, a oposição de embargos de declaração (fls. 731-740) e a interposição de recurso especial (fls. 820-842) por Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro.

A Corte de origem, à unanimidade, negou provimento aos declaratórios (fls. 967-975).

Foi apresentada ratificação do apelo à fl. 986.

Fábio Soares Cesário e Carlos Augusto Leal Pinheiro sustentam nas razões de seu apelo violação aos arts. 1º, caput, e 14, § 7º, da Constituição Federal, ao art. 1º, § 3º, da Lei Complementar nº 64/90 e ao art. 1.628 do Código Civil.

Apontam que a Corte de origem considerou inelegível o candidato eleito ao cargo de prefeito, Fábio Soares Cesário, pelo fato de ser filho de criação do ex-prefeito daquele município.

Argumentam que não existe a figura da adoção de fato e ressaltam que o art. 1.628 do Código Civil apenas reconhece a adoção após o trânsito em julgado da sentença que deferiu o pedido. Asseveram que não existe, “na legislação pátria, qualquer referência a inclusão da ‘adoção de fato’ como causa de inelegibilidade” (fl. 829).

Alegam que o entendimento desta Corte é de que as hipóteses de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, não podendo apanhar situações jurídicas nelas não contidas. Citam precedentes.

Assinalam que o prefeito eleito tem pais biológicos e foi registrado por estes.

Arguem que não há similitude entre o presente caso e a inelegibilidade decorrente do parentesco por afinidade.

Aduzem violação ao princípio da segurança jurídica, ao argumento de que os candidatos eleitos, além de não terem sofrido impugnação no momento da apresentação de seus registros de candidatura, foram surpreendidos após o processo eleitoral com novo posicionamento da Corte de origem.

Asseveram que, antes dos seus pedidos de registros, estavam amparados por precedentes desta Corte e do TRE/MA, e por decisão proferida pelo TRE/PI, no julgamento da Consulta nº 88/2007, que afastou a inelegibilidade na hipótese da denominada adoção de fato.

Neguei seguimento ao recurso especial por decisão de fls. 1.039-1.046

À vista, porém, das razões deduzidas no agravo regimental de fls. 1.050-1.065, reconsiderei a decisão de fls. 1.039.1.046, a fim de submeter o recurso diretamente ao exame do Tribunal (fls. 1.068-1.069).

VOTO

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI (relator): Senhor Presidente, consta do relatório do acórdão regional a alegação de que “o candidato eleito a prefeito é manifestamente inelegível para o referido cargo, tendo em vista ser filho adotivo do prefeito a quem sucede, o qual já havia disputado uma reeleição, revestindo-se na inelegibilidade reflexa dos filhos e parentes até o segundo grau” (fl. 714, verso).

Sustentou-se, ainda, na inicial do recurso contra a expedição de diploma, não haver “registro formal de adoção, mas o acervo probatório revela que o candidato eleito, ora recorrido, sempre foi tratado publicamente como filho, inclusive constando sua fotografia em calendários referentes aos anos de 2004 e 2007 distribuídos no aludido município com felicitações à população nos anos imediatamente anteriores, constando a seguinte frase: ‘o prefeito de Pau D’Arco do Piauí e seus filhos desejam à população um feliz natal’” (fl. 714, verso).

O acórdão regional entendeu haver “provas suficientes para se chegar à conclusão da existência de uma paternidade sócio/afetiva envolvendo o candidato eleito de Pau D’Arco do Piauí, o Sr. Júnior Sindô (Fábio Soares Cesário) e o ex-prefeito Expedito Sindô” (fl. 720).

Consignou-se que as testemunhas afirmaram “essa concretude de relação de pai e filho entre o prefeito e o ex-prefeito, filho de criação” (fl. 720), entendendo comprovado que Júnior Sindô, embora não seja adotado legalmente, é reconhecido, na cidade de Pau D’Arco do Piauí/PI, como filho do ex-prefeito, Expedito Sindô.

Destacou-se, ainda, vir essa convicção das seguintes provas: “os cartazes; o pai e os filhos nas fotografias; a fala das testemunhas, que, evidentemente, não se estendem em laudas, mas apontam: ‘foi criado’, ‘viveu com ele’; o nome, Júnior Sindô” (fl. 722).

Desse modo, concluiu-se estar “satisfatoriamente provada essa relação jurídica de pai e filho adotivo, adoção de fato, posse de estado de filiação, entre Júnior Sindô e o ex-prefeito Expedito Sindô” (fl. 722).

Entendeu, portanto, o acórdão regional incidir na espécie a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.

Para afastar a conclusão do TRE/PI de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação do antecessor ex-prefeito, a configurar a referida inelegibilidade, seria necessário o revolvimento do acervo probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do egrégio Supremo Tribunal Federal.

Os recorrentes invocam o decidido no Recurso Especial nº 13.068, relator Ministro Ilmar Galvão, de 11.3.1997, de cuja ementa consta que a “adoção meramente de fato não enseja a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal” (fl. 1062).

Anoto que o fundamento desse precedente foi o de que os “afilhados ou filhos de criação não se submetem juridicamente ao conceito de parentesco por adoção e tampouco geram os mesmos efeitos jurídicos, não havendo como se estabelecer a equiparação” (grifo nosso).

Já no caso dos autos, cabe destacar do acórdão regional estas assertivas (fl. 720, verso e 721):

A posse do estado de filiação, referido em passagem aí no parecer ministerial, é uma realidade, e o Direito não pode fechar os olhos.

(...)

Essa posse de estado de filiação, ao correr dos anos, torna-se irreversível, até porque essa condição de pai e filho – paterno – filial – recebe todas as atenções a partir da nossa Constituição Federal, que trata a família com todo zelo, a família, seus integrantes, com todo zelo, seja a família composta de pai, mãe e filhos, ou a família sem, necessariamente, essa condição de pai, mas uma célula familiar, vamos dizer, de irmãos, de parentes, recebe todas as atenções da Constituição Federal e do nosso hoje atual Direito Positivo, nosso ordenamento jurídico.

Realmente, a relação socioafetiva independe de fatores biológicos ou exigências legais, devendo levar-se em consideração o afeto e a convivência daqueles que assim se mostram para a sociedade, fatos que não podem ser desconhecidos do Direito.

A jurisprudência vem reconhecendo o vínculo de afetividade dessas relações, em razão da sua influência na realidade social, a fim de reconhecer direitos.

Ressalto, a propósito, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.

(...)

- O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil.

- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica.

Recurso conhecido e provido.

(Recurso Especial nº 878.941, rela Mina Nancy Andrighi, de 21.8.2007).

Ao se admitirem os direitos oriundos da filiação socioafetiva, reconhecem-se também todos os deveres inerentes ao parentesco, inclusive para as hipóteses de inelegibilidade.

Quanto à alegação de violação ao princípio da segurança jurídica, a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional suscitada em sede de recurso contra expedição de diploma, não há falar em preclusão, sob o argumento de que não houve impugnação ao registro de candidatura.

Nessa linha:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso contra a expedição de diploma. Vereador. Cônjuge. Prefeito. Ausência. Desincompatibilização. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Preclusão. Não-ocorrência. Litisconsórcio passivo necessário. Partido político. Inexistência.

(...)

2. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser argüida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há que se falar em preclusão, ao argumento de que a questão não foi suscitada na fase de registro de candidatura (Ac. nº 3.632/SP). Precedentes.

3. No recurso contra a expedição de diploma, não há litisconsórcio passivo necessário entre o diplomado e o partido político.

(...)

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 7.022, rel. Min. Gerardo Grossi, de 14.8.2007).

Acerca da afirmação de que o TRE, na Consulta nº 88/2007, afastou a inelegibilidade da adoção de fato, e de que, no presente caso, não aplicou tal entendimento, o que igualmente ofenderia o princípio da segurança jurídica, cito o seguinte julgado:

Mandado de segurança. Ato. Tribunal Superior Eleitoral. Res.-TSE nº 22.585/2007. Resposta. Consulta nº 1.428. Não-cabimento.

1. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (Recurso em Mandado de Segurança nº 21.185/DF, rel. Min. Moreira Alves, de 14.12.1990), a resposta dada a consulta em matéria eleitoral não tem natureza jurisdicional, mas, no caso, é ato normativo em tese, sem efeitos concretos, por se tratar de orientação sem força executiva com referência a situação jurídica de qualquer pessoa em particular.

(...)

Agravo regimental a que se nega provimento.

Também não merece prosperar a alegação de ocorrência de indevida interpretação extensiva, pois este Tribunal já decidiu, em caso semelhante, em que também se discutia relação socioafetiva, que os sujeitos de relação estável homossexual se submetem à regra da inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal, a saber:

REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.

Recurso a que se dá provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 24.564, rel. Min. Gilmar Mendes, de 01.01.2004)

Essa interpretação visa, assim como a hipótese tratada nos autos, a evitar a perpetuação de uma mesma família na chefia do Poder Executivo.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso especial.

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Este é um caso que tem alguns contornos muito específicos, a respeito do que a Constituição estabelece, mas me aterei ao que a jurisprudência tem entendido.

De fato a adoção é instituto de direito perfeitamente delimitado na legislação, porém parece-me que o que a Constituição determina quanto à inelegibilidade do § 7º do artigo 14 é dar concretude ao princípio da impessoalidade, para que se tenha a garantia de não influência específica, personalizada, voltada à manutenção de um grupo familiar no exercício de um poder ou de determinados cargos.

O Ministro Arnaldo Versiani trouxe a matéria e salientou, em um primeiro momento, que, de toda sorte, iríamos, em recurso especial, cogitar de provas, o que não seria possível, mas, para afastar exatamente esta situação, Vossa Excelência faz referência a algumas provas constantes dos autos.

O que me parece do que foi exposto das sustentações, dos memoriais apresentados e do brilhante voto do Ministro Relator foi que se buscou demonstrar que neste caso se configura um núcleo, senão familiar, no sentido mais específico, de uma adoção que é muito comum ainda no interior do Brasil: chamar-se de filho de criação, que é adoção, muitas vezes não formalizada, como neste caso. Mas há configuração perfeita de um núcleo que se mantém exatamente com influência específica, na realidade social, a desigualar o processo eleitoral, exatamente por conta dessa continuidade que se configura.

Não me parece que neste caso eu possa afastar a conclusão do TRE/PI com base no que foi posto e sem fazer análise específica de provas, o que realmente não seria possível, somente com os dados necessários para a configuração da aplicação da norma constitucional que afasta essa proximidade muito específica de uma familiaridade, senão de uma família.

Por isso, acompanho o Ministro Relator no seu brilhante voto, pedindo vênia aos que pensam em sentido contrário e até chamando a atenção para o fato de que esta é uma questão muito difícil devido ao ditame constitucional que faz referência a um instituto, o da adoção, que tem configuração legal prevista, o qual, neste caso, não teria sido formalmente adotado. Mas, até para cumprir a finalidade da norma constitucional, penso que estamos diante da situação pontuada pelo Ministro, e pareceu-me suficientemente caracterizada para que a aplicação da Constituição acabasse sendo no mesmo sentido: negar provimento ao recurso.

VOTO (vencido)

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, em primeiro lugar, faço uma observação. A atribuição para responder a consulta é estritamente do Tribunal Superior Eleitoral. Os Regionais não podem adentrar essa área. Fico a imaginar 27 Tribunais respondendo a consultas sobre um Direito abrangente, de observação obrigatória em todo o território nacional.

Estamos a versar inelegibilidade, e não abuso do poder político ou econômico por parte do titular de chefia de Executivo municipal. Não é possível, quando adentramos essa área, partir para a interpretação analógica, nem escapar às balizas peremptórias da Carta da República, porque em jogo está a cidadania. O afastamento da cidadania é algo muito sério, a reclamar, portanto, previsão constitucional específica.

No § 7º do artigo 14 da Constituição Federal, quanto à inelegibilidade ante a adoção, descabe enquadrar, por exemplo, o filho denominado, na visão leiga, de criação. Não se pode incluir o afilhado na vida gregária ou mesmo na vida política. Há de se compreender o preceito tal como ele se contém. Quando o legislador, principalmente o constituinte, se refere a um instituto, ele o faz sob o ângulo técnico. Ao aludir à adoção, trata-se de adoção tal como disciplinada pela norma de regência, pelo Código Civil.

No caso, pode haver um empate relativamente às decisões, a prevalecerem os votos do Relator e da Ministra Cármen Lúcia, considerados dois pronunciamentos em processos originários do mesmo Estado, o Piauí.

Este Tribunal, mediante acórdão da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, assentou que a adoção meramente de fato – em apreço – não enseja a inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º, da Constituição Federal. É um julgado formalizado, ante o exame de caso, em sessão de 11 de março de 1997.

Evidentemente, não perfilho esse entendimento, mas cita-se trecho de manifestação do Relator segundo o qual não devemos mudar de enfoques conforme a composição do Tribunal. Não é esse o meu ponto de vista, porque penso que a atuação do julgador em um Colegiado há de ser espontânea, não uma apreciação vinculada a pronunciamento anterior.

Senhor Presidente, potencializa-se, no caso concreto, não o nome tal como consta do registro das pessoas naturais, e sim o nome fantasia, ou seja, ele seria, sob o ângulo técnico, o recorrente Fábio Soares Cesário, mas, segundo o citado calendário, voltado à propaganda, seria Júnior Sindô. O uso de um nome fantasia que ligue alguém a um político já conhecido na localidade não gera, a meu ver, inelegibilidade, pois esta – repito – deve estar prevista expressamente.

É certo que, nesse calendário, se apontou Júnior Sindô como filho propriamente dito, não sob o ângulo leigo – não estou partindo para apreciar fatos e sobrepor ao aspecto legal o que verificado –, mas, sob o ponto de vista técnico, não se trata. Essa circunstância não conduz a ter-se como incidente, na espécie, o preceito constitucional. A não ser pela calvície do possível adotante, não seria possível dizer quem é mais velho, considerados os retratos, se o ex-prefeito – no caso, Expedito Sindô – ou o denominado Júnior Sindô, que, para mim, não é filho adotivo!

Peço vênia para concluir que uma situação é chegar-se à cassação do registro tendo em conta o abuso do poder político e econômico, outra é reconhecer a inelegibilidade quando o caso concreto não se enquadra no figurino constitucional.

Divirjo do Relator e da Ministra Cármen Lúcia, para prover o recurso, ressaltando, mais uma vez, que o eleitor não é um tutelado.

VOTO (vencido)

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Senhor Presidente, rogo vênia também ao eminente Relator e à ilustre Ministra Cármen Lúcia para acompanhar a divergência inaugurada pelo Ministro Marco Aurélio.

Entendo que, efetivamente, a norma constitucional é expressa e objetiva naquilo que quis limitar. Ela se refere à adoção, que é figura jurídica; não diz respeito a nada assemelhado à adoção.

Na verdade, o filho adotivo de fato – chamemos assim – não tem os mesmos direitos do adotado. Então, aquela pessoa que não tem os mesmo direitos do adotado receberá tratamento igual para pior ao do adotado no caso de inelegibilidade.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: No que o beneficie, ele está afastado do cenário.

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: No que o beneficia está afastado, não é herdeiro. No que o prejudica, daremos o mesmo tratamento, o que me parece que, com a máxima vênia, não seria possível.

E o elastecimento da norma constitucional, que realmente é objetiva, parece-me que nos levaria no futuro a estendermos o parentesco consanguíneo ao parentesco em terceiro grau, porque vemos na norma constitucional que ela limita esse parentesco ao segundo grau.

No futuro, alguém virá a dizer que essa pessoa, esse primo, não era absolutamente distante, foi criado pelo prefeito, morava na casa do prefeito e por aí afora.

E haveria no caso um subjetivismo criando elastecimento extraordinário no tocante à norma constitucional. Muito embora já existissem essas situações de fato muito antes da Constituição de 1988, ela ainda não incorporou ao seu texto qualquer outra menção que não fosse até o segundo grau, bem como por adoção, que é, evidentemente, fruto de um processo legal, como destacado da tribuna pelo ilustre advogado da parte recorrente.

Por essas razões, além das já alinhavadas pelo eminente Ministro Marco Aurélio, rogo vênia para acompanhar a divergência e prover o recurso.

VOTO

O SENHOR MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO: Senhor Presidente, Senhores Ministros, peço vênia à divergência para acompanhar o ilustre Relator e a Ministra Cármen Lúcia. Penso que a consideração da disciplina constitucional deve ter assento fundamentalmente na ideia do grupo familiar.

A legislação brasileira, em nosso sistema, caminha exatamente superando essas contradições existentes quanto a situações de fato perfeitamente idênticas a situações jurídicas que não merecem o mesmo tratamento.

Mas, no particular do filho de criação, basta lembrar recente lei que permite a adoção do nome do padrasto pelo enteado. Isso significa que é uma mudança do sistema, uma entrada do sistema na verdadeira realidade social a que ele se refere. Penso que foram esses os pontos que a ilustre Ministra acentuou, sobretudo na visão constitucional, e o Ministro Relator.

Peço vênia à divergência, respeitosamente, para acompanhar o eminente Ministro Relator.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Senhor Presidente, só para complementar: o ilustre advogado da parte recorrida mencionou da tribuna um precedente da Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. O precedente é diferente, data venia, porque, quando se refere a vínculo socioafetivo, a discussão era completamente outra: era alguém que estava registrado como filho, muito embora o registrante soubesse que a pessoa não era seu filho, e anos mais tarde, procurou desconstituir essa situação.

Ou seja, alguém declarou uma pessoa que não era seu filho como tal, viveu não se sabe quantos anos tendo aquela pessoa como filho registrado e, depois, decidiu que não queria mais tê-lo como filho, muito embora desde sempre soubesse que não era seu.

Então, foi nesta situação que foi reconhecido naquele precedente, esse vínculo socioafetivo. E reconhecido a favor do filho e não contra ele, como aqui se pretende.

Esse esclarecimento foi apenas para destacar a especificidade da situação retratada naquele precedente.

VOTO (vencido)

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para acompanhar a divergência.

Como assentaram os Ministros Marco Aurélio e Aldir Passarinho Junior, a inelegibilidade é matéria de direito estrito, então não devemos, a meu ver, ampliar suas hipóteses mediante construção jurisprudencial, ainda mais em terreno tão subjetivo quanto me parece ser esse do “filho de criação”.

Qual é o critério para saber o que caracteriza um filho de criação?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Ele seria mais, em termos de inelegibilidade, do que o parente em terceiro grau – tio-sobrinho.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Que é o critério objetivo. Ou seja, na verdade, estaremos numa situação de, a cada caso, verificar fatos sem nenhuma regra para se basear. É muito comum pelo Brasil afora a figura do agregado da família, aquele cidadão que está sempre presente, muito amigo dos filhos. Como faremos a distinção sem uma lei, sem uma regra?

Diante dessas peculiaridades e pelo fato de se tratar de matéria de restrição de direitos, peço vênia ao Relator, à Ministra Cármen Lúcia e ao Ministro Hamilton Carvalhido para acompanhar a divergência.

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Senhores Ministros, peço vênia à divergência para acompanhar o eminente Relator. Entendo que a Corte Regional não interpretou a cláusula de inelegibilidade extensivamente, mas a interpretou segundo sua vocação teleológica.

O que versava a Constituição? O que quiseram os constituintes? A Constituição e os constituintes quiseram exatamente evitar a formação de oligarquias, o continuísmo, o compadrio, a perpetuação de famílias num determinado cargo.

Também peço vênia para entender que, no caso dos autos, não estamos interpretando o material probante coletado de forma subjetiva. Parece-me que exsurge dos autos, com muita clareza, que o recorrente apresentava-se, sim, como filho, tanto é que – isso até foi dito da tribuna –, em vários cartazes em que o prefeito felicita a comunidade por ocasião das festas, o recorrente é apresentando como filho, embora não seja um filho biológico. Aliás, ele é denominado e conhecido na comunidade como Junior Sindô, e o ex-prefeito, que já havia sido reeleito, é exatamente Expedito Sindô.

Trata-se, portanto, de paternidade socioafetiva, e esse vínculo socioafetivo já foi reconhecido e equiparado ao vínculo sanguíneo pelos especialistas em Direito Civil, inclusive, pelo próprio Conselho da Justiça Federal, a partir de enunciados elaborados com base em conclusões tiradas das chamadas Jornadas de Direito Civil.

Por exemplo, o Enunciado nº 103 do Conselho da Justiça Federal estabelece:

“103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.”

Já o Enunciado nº 108 dispõe:

108 – Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593 [compreende-se, à luz do disposto no artigo 1.593] a filiação consangüínea e também a socioafetiva.”

E, por sua vez, o Enunciado nº 256, que decorre da 3ª Jornada de Direito Civil, estabelece:

256 – Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.”

Portanto, com a devida vênia, estou entendendo que, no caso, o Tribunal Regional Eleitoral nada mais fez do que aplicar um precedente já consagrado nesta Corte, que é aquele mencionado da tribuna por parte do eminente Relator, da cidade de Viseu, no Pará, em que se reconheceu a inelegibilidade decorrente das relações estáveis.

Então, mutatis mutandis, a meu ver, aplica-se esse precedente, que encontra esteio, arrimo, na prova dos autos, porque me parece muito claro esse relacionamento socioafetivo que se firmou entre o recorrente, que é conhecido como Junior Sindô, e o ex-prefeito reeleito, Expedito Sindô.

Por essas razões, nego provimento ao recurso, pedindo vênia mais uma vez à douta dissidência que se articulou neste Plenário. DJE de 22.03.2011.