Caros leitores,
O Informativo n.
681 do STF pacíficou a discussão acerca da possibilidade do parlamentar declarar publicamente o seu voto durante as votação secretas estabelecidas pela Constituição Federal.
O caso paradigma diz respeito ao processo de cassação do então Senador Demóstentes Torres e o interesse de alguns senadores de declarararem publicamente o voto.
No caso, em sede de liminar, o STF não autorizou essa declaração pública em respeito a atual sistemática da nossa Carta Magna.
Confiram as partes marcadas.
Abraços,
Leonardo
Perda de Mandato – Quebra de Decoro Parlamentar –Votação
Secreta (Transcrições)
MS 31386 MC/DF*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: PERDA DE MANDATO
PARLAMENTAR. CLÁUSULA DE SIGILO QUE INCIDE SOBRE
O VOTO DOS MEMBROS DA CASA LEGISLATIVA. DETERMINAÇÃO
CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO ATO DE
VOTAÇÃO (CF, ART. 55, § 2º). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA,
ENQUANTO VIGER ESSA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL,
DE ADOÇÃO, PELA MESA DIRETORA DE CADA UMA DAS CASAS
DO CONGRESSO NACIONAL, DE MEDIDAS QUE VIABILIZEM
A VOTAÇÃO ABERTA OU OSTENSIVA.
NORMA QUE SE ESTENDE, EM CARÁTER COMPULSÓRIO,
AOS ESTADOS-MEMBROS, CUJO PODER CONSTITUINTE DECORRENTE
SOFRE, NESSA MATÉRIA, EXPLÍCITA LIMITAÇÃO FUNDADA
NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ADI 2.461/RJ E ADI
3.208/RJ). INSTITUIÇÃO DE NOVO MODELO QUE CONSAGRE
O VOTO ABERTO, “CORAM POPULO”, NAS HIPÓTESES
PREVISTAS NO § 2º DO ART. 55 DA LEI FUNDAMENTAL. MEDIDA
QUE, POR ENVOLVER SOLUÇÃO “DE JURE CONSTITUENDO”,
DEPENDE, PARA LEGITIMAR-SE, DE REFORMA
CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE DESSACRALIZAÇÃO DO
SEGREDO COMO FATOR DE LEGITIMAÇÃO DAS
DECISÕES E ATOS GOVERNAMENTAIS, INCLUSIVE DAS DELIBERAÇÕES
PARLAMENTARES NOS PROCESSOS DE PERDA DE MANDATO. OS ESTATUTOS
DO PODER, EM UMA REPÚBLICA FUNDADA EM BASES
DEMOCRÁTICAS, NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO
(NORBERTO BOBBIO, “O FUTURO DA DEMOCRACIA”) NEM DEIXAR-SE SEDUZIR
PELO “PERIGOSO FASCÍNIO DO ABSOLUTO” (JOSEPH COMBLIN). MEDIDA
CAUTELAR INDEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de “mandado de segurança
preventivo”, com pedido de medida liminar, impetrado contra “iminente
ato a ser praticado pela Mesa Diretora do Senado Federal”, com o
objetivo de assegurar “(...) o direito do
impetrante de votar (...) de forma pública e aberta
nos processos de perda de mandato parlamentar quer
estejam em curso, quer venham a ocorrer no âmbito do Senado
Federal” (grifei).
Eis, em síntese, os fundamentos
que dão suporte ao pleito ora submetido ao exame desta
Suprema Corte:
“01. É público e notório o desconforto do
conjunto da cidadania brasileira com a interpretação reiterada do § 2º do art.
55 da Constituição Federal, enquanto norma meramente procedimental que
impõe, nos casos de perda de mandato parlamentar, o voto secreto inafastável
dos membros da Casa a qual pertença aquele parlamentar submetido ao processo
disciplinar.
02. Essa leitura meramente literal da
norma leva a uma mitigação da transparência ínsita ao princípio da democracia
representativa, uma vez que sem conhecer como votam seus representantes, os
eleitores, os verdadeiros detentores do poder político em um Estado Democrático
de Direito, ficam à mercê de uma atuação política ambígua e, muitas vezes,
conduzida contra a sua expressa vontade política e os princípios éticos que os
levaram, de início, a optar pela eleição de determinado cidadão.
03. Em termos procedimentais, o óbice
ao conhecimento do teor do voto pelos eleitores se dá mediante a mera aferição
numérica do resultado da votação que, em Plenário, decide a perda de mandato
parlamentar.
Os Senadores pressionam em um dispositivo
localizado a frente de seus assentos individuais as teclas que definem o voto
como ‘sim’ e ‘não’, os quais são computados no painel eletrônico do Plenário
para que, ao final, seja proclamado o resultado, com o que se dá publicidade e,
logo, eficácia à decisão majoritária.
04. Fixas nesses termos a interpretação e
a operação procedimental do dispositivo constitucional – ou seja, sem que
seja dado ao parlamentar individual a possibilidade de, em querendo, manifestar
formalmente e de maneira transparente sua posição, garantindo assim a possibilidade
de conhecimento do teor de seu voto por aqueles responsáveis, em termos
eleitorais, por seu mandato –, resta mitigado o princípio representativo, pelo
que devem ser consideradas, aquelas interpretação e prática procedimental, atos
(ainda que potenciais) passíveis de serem afastados mediante a presente ação
mandamental.
05. Dessa forma, ante a decisão da
Mesa que, certamente, manterá a prática atual de impedir o parlamentar
individual de ‘abrir seu voto’ – o que, em si, consubstancia o justo receio do parlamentar
quanto ao gozo de seu direito de representar seus eleitores –, o impetrante
será impedido de conduzir seu mandato parlamentar prestando efetivamente contas
de suas ações àqueles que lhe concederam voto de confiança quanto a sua conduta
ilibada e escorreita, o que acarretará inegável violação ao seu direito líquido
e certo de apresentar aos seus eleitores, de forma límpida e transparente, a
forma com que atua no Parlamento.” (grifei)
O autor do presente “writ” constitucional,
que é Senador da República, requer a concessão de provimento
cautelar, “(...) para o fim de determinar à Mesa do Senado Federal que
crie procedimento formal e eletrônico mediante o qual possa o impetrante
ter seu voto individualizado e divulgado publicamente e de forma inequívoca”
(grifei).
Passo a examinar a postulação
cautelar deduzida pela parte ora impetrante. E, ao
fazê-lo, entendo, em juízo de estrita
delibação, que não se acham presentes os
requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência.
É de registrar que as votações parlamentares submetem-se,
ordinariamente, ao processo de votação ostensiva, sendo de
exegese estrita, portanto, as normas, de índole necessariamente
constitucional, que fazem prevalecer, em hipóteses taxativas,
os casos de deliberação sigilosa.
O ordenamento constitucional brasileiro adotou, como
regra geral, no campo das deliberações parlamentares – quaisquer
que estas possam ser – o princípio da votação
ostensiva e nominal, apenas indicando,
em “numerus clausus”, as hipóteses em que, em caráter
de exceção, terá lugar o voto secreto (CF,
art. 52, III; art. 55, § 2º; art. 66, § 4º, v.g.).
A Constituição da República, ao dispor sobre o
procedimento de cassação de mandato, por deliberação soberana da Casa
legislativa a que pertence o parlamentar alegadamente faltoso, prescreve
– tratando-se de hipótese que verse conduta incompatível com o
decoro parlamentar (CF, art. 55, II) – que “a perda do mandato
será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto
secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa” (CF, art. 55, § 2º – grifei).
Na realidade, a pretensão mandamental ora
em análise busca impor, à Mesa Diretora do Senado
Federal, mediante ordem judicial, a adoção de
comportamento que dissente, frontalmente, da Lei
Fundamental, que se qualifica, no contexto ora em exame, como o
estatuto de regência que define a ordem
ritual a ser necessariamente observada no procedimento
político-administrativo de perda do mandato parlamentar, em cujo âmbito a
Constituição não admite o voto dado “coram populo”.
Vê-se, daí, que a matéria em causa, por
implicar modificação do próprio texto constitucional, reclama
solução “de jure constituendo”, pois, enquanto não
sobrevier reforma da cláusula de sigilo
prevista no § 2º do art. 55 da Constituição, esse
modelo revelar-se-á de necessária observância,
estendendo-se, por isso mesmo, aos Estados-membros, cujos
estatutos constitucionais não poderão adotar o
sistema de voto aberto, quando se tratar
de perda de mandato parlamentar, tal como decidiu o
Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
2.461/RJ e da ADI 3.208/RJ, das quais foi Relator o
eminente Ministro GILMAR MENDES, valendo reproduzir, por bastante
expressiva, a ementa consubstanciadora da decisão que esta
Corte proferiu em referidos processos:
“Emenda constitucional estadual.
Perda de mandato de parlamentar estadual mediante voto aberto.
Inconstitucionalidade. Violação de limitação
expressa ao poder constituinte decorrente dos Estados-membros
(CF, art. 27, § 1º c/c art. 55,
§ 2º). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente,
por maioria.” (grifei)
Assinalo que fiquei vencido
em tais julgamentos, na honrosa companhia do eminente Ministro MARCO
AURÉLIO. Deixei consignado, então, em meu
voto vencido, que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro, ao consagrar o modelo de votação
aberta, nos procedimentos de perda de mandato parlamentar na esfera
local, nada mais fez senão prestar integral
reverência a dois postulados fundamentais
e inerentes ao sistema político-jurídico que a Constituição
da República consagrou: de um lado, o princípio da
Federação, que privilegia a essencial autonomia de que se
acham impregnados os Estados-membros, e, de outro, o
princípio democrático, que tem, na transparência
e na publicidade dos atos e deliberações
que se formam no âmbito da comunidade estatal (inclusive no
seio das corporações legislativas), um de seus
mais expressivos valores ético-jurídicos.
Também entendo que a
melhor solução, seja no plano federal,
seja em âmbito local, sempre dependente,
no entanto, de reforma do texto da Constituição da
República (solução “de jure constituendo”, portanto), como
o revelam a PEC 50/2006 e a PEC 86/2007, traduzir-se-ia
na adoção do modelo de votação aberta
e ostensiva, pois – não custa rememorar,
tal como venho assinalando nesta Suprema Corte – os estatutos do poder,
numa República fundada em bases democráticas, não podem
privilegiar o mistério.
Ao dessacralizar o segredo, a
Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e
expôs o Estado, em plenitude, ao princípio
democrático da publicidade, convertido, em sua
expressão concreta, em fator de legitimação
das decisões e dos atos governamentais.
Não posso, contudo, desconhecer
o caráter impositivo da cláusula de sigilo
que a Lei Fundamental da República instituiu no § 2º de
seu art. 55.
Revela-se inviável, bem por isso, ao
menos em análise compatível com os estritos
limites de um juízo de caráter meramente
delibatório, a pretensão cautelar deduzida pelo ora impetrante, pois
em conflito com a norma
inscrita no mencionado § 2º
do art. 55 da Constituição Federal, que prevê o sigilo
do voto no âmbito dos processos de perda do mandato
parlamentar nas hipóteses nela previstas.
Vale ressaltar, por oportuno, o
conteúdo das informações oficiais prestadas, nesta sede
mandamental, pelo Senhor Presidente do Senado Federal. Essa manifestação,
apoiada em parecer elaborado pela Advocacia do Senado Federal, está
assim fundamentada:
“(...) a instituição do voto
secreto como faculdade do parlamentar conduziria
a um sistema misto de votação dos
processos de perda do mandato, sem
uniformidade e sem garantir a utilização do voto aberto,
em todos os casos, o que demonstra que o atendimento do princípio
representativo e do dever de prestar contas aos eleitores, invocados como
fundamentos do ‘writ’, estaria condicionado à vontade do parlamentar, já que o
Impetrante pretende o reconhecimento do seu suposto direito de votar
abertamente, ‘quando assim entenda mais adequado à dicção constitucional sobre
a representação democrática...’.
Como demonstrado nos votos proferidos no
julgamento da ADI
2.461 e ADI 3.208, a questão debatida, referente à
permanência do voto secreto no processo de perda do mandato parlamentar, há
de ser solucionada no campo político, que demanda a estrita observância do
devido processo legislativo constitucional, previsto no art. 60 da Carta
Política, para que a norma do seu art. 55, § 2º, seja modificada.
Aliás, já existem propostas em curso em
ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo que a PEC 50, de 2006, em
trâmite no Senado Federal, já foi incluída na ordem do dia.
…................................................................................................................
Dessa forma, não se mostra presente o direito
líquido e certo a amparar a concessão da segurança postulada.” (grifei)
As razões ora expostas pelo Senhor
Presidente do Senado Federal e aquelas por mim
referidas na presente decisão revelam-se suficientes
para justificar, em juízo de sumária
cognição, o indeferimento do pleito
cautelar deduzido nesta sede mandamental.
É importante rememorar, neste
ponto, que o deferimento da medida
liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral
outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica
em face de situações que se ajustem aos
pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência
de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e
a possibilidade de lesão irreparável ou de
difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois
requisitos – que são necessários, essenciais
e cumulativos –, não se legitima
a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora
esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão
especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância
do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa
resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois
requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
Sendo assim, em juízo de estrita
delibação, atento ao princípio da colegialidade (ADI
2.461/RJ e ADI 3.208/RJ) e sem prejuízo
de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede
processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Ouça-se a douta Procuradoria-Geral da
República.
Publique-se.
Brasília, 29 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 1º.8.2012
Um comentário:
Prezados Senhores,
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Mais informações sobre a programação completa é possível acessando a página WWW.direitodoestado.com.br/el
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